Jejum Intermitente Vs Restrição Calórica Convencional

Mais uma moda ou tem sustentabilidade científica?

Antes de mais é importante percebermos as suas definições.

A restrição calórica convencional é uma redução na ingestão calórica total que não resulta de desnutrição. Entre humanos com sobrepeso, a restrição calórica de curto prazo (6 meses) demonstrou melhorar significativamente vários fatores de risco cardiovascular, sensibilidade à insulina e função mitocondrial. Provavelmente devido a essas alterações fisiológicas, ensaios clínicos indicam que a restrição pode ter vários efeitos benéficos entre adultos com sobrepeso que vão além da perda de peso. No entanto, nas últimas décadas, estudos revelaram que a grande maioria dos indivíduos têm dificuldade em manter a restrição calórica diária por longos períodos de tempo.

Recentemente, a duração e a periodicidade do jejum diário surgiram como potenciais impulsionadores por trás dos efeitos benéficos da restrição calórica para a saúde. Numerosas estratégias e padrões alimentares foram desenvolvidos entre os quais o jejum intermitente. O jejum intermitente caracteriza-se pela restrição voluntária da ingestão energética por períodos que vão de 12 horas a alguns dias, num padrão consistente e recorrente.

Protocolo de Jejum Intermitente

Existem vários protocolos propostos de jejum intermitente. Alguns dos mais comuns incluem:

  1. Jejum em dias alternados que envolvem jejum de 24 horas;
  2. O método 5:2 que envolve um jejum de 24 horas duas vezes por semana e uma dieta muito baixa em calorias consumida noutros 2 dias da semana. Neste método o jejum pode ser em dias consecutivos ou não consecutivos.
  3. A alimentação com restrição de tempo é outra abordagem popular em que o jejum ocorre todos os dias com horários variáveis, mas geralmente a alimentação ocorre durante um período de 6 horas, permitindo que a duração do jejum seja de 14 a 18 horas.
Jejum Intermitente Dicas CEFAD

Sabe-se que o jejum resulta em cetogénese (processo que ocorre no fígado, em que após o processo de adaptação, a maior parte dos tecidos passam a usar ácidos gordos – gordura – como combustível, poupando a glicose – açúcar – e dando início à cetogénese). 

Para além desta função energética, os corpos cetónicos originados neste processo, são responsáveis por evitar a sensação de fome, fator muito importante para a realização de um processo de emagrecimento.

Mas o que nos diz a evidência científica? A questão é mesmo essa, a maioria dos estudos são feitos em animais. Não podemos extrapolar resultados de estudos feitos em animais apesar destes apresentarem alguns resultados na redução do peso e melhoria de alguns parâmetros metabólicos, como a resistência à insulina, a hipertensão arterial e a alteração dos lípidos (gordura) do plasma. O que é certo é que essas evidências aumentaram a expectativa de muitas pessoas sobre este tema.

Há poucos estudos em humanos o que o que impede chegar a conclusões definitivas, e mesmo os que temos não têm a melhor qualidade metodológica. Somos seres complexos, demasiado complexos – o que faz com que os resultados possam variar quando extrapolamos resultados. Tudo isto gera confusão entre a comunidade científica, quanto mais entre a população geral que todos os dias é bombardeada com novos milagres para os seus males.

Em modelo Humano, estudos observacionais sugerem que o jejum intermitente pode apresentar resultados a curto prazo, mas quando comparado a dietas convencionais isocalóricas (mesmo número de calorias) não parece apresentar vantagem. A evidência científica tem vindo a mostrar que o jejum intermitente parece produzir efeitos semelhantes a qualquer outro modelo de restrição energética para redução do peso corporal e massa gorda, não parecendo atenuar as respostas adaptativas à restrição de energia ou melhorar a eficiência de perda de peso.

Isto porquê?

O que continua a ser mais importante na perda de peso? Défice calórico! Seja com jejum ou sem jejum intermitente. Tal como acontece com qualquer outra abordagem nutricional, o acompanhamento por um profissional da área é essencial. Em conjunto irão definir qual a estratégia que melhor se adequa a si, porque o fator mais importante que dita o sucesso de uma abordagem nutricional é a ADESÃO do indivíduo à alimentação prescrita. Alguém que tem a motivação para melhorar a sua alimentação e cumprir um plano alimentar personalizado, terá sempre resultados, não só pela abordagem em si, mas porque está motivado para cumprir à risca as orientações que lhe foram dadas. Nenhum processo de perda de peso pode ser dissociado do contexto motivacional e comportamental que o envolve.

Se o meu objetivo for perder peso eu sei que vou ter de estar em défice calórico (ingerir menos calorias do que aquelas que gasto) mas tenho inúmeras formas e abordagens de o fazer (o jejum intermitente é apenas uma das muitas opções que temos para o fazer). Aqui terá um papel preponderante a motivação do doente e a capacidade do nutricionista em avaliar qual o melhor regime de redução energética a aplicar em cada circunstância.

No caso de um jejum mal planeado (ou não acompanhado), podemos ter dois extremos: pode-se estar a promover a desnutrição, uma ingestão calórica abaixo das necessidades diárias, ou, pelo contrário, a uma ingestão calórica bem acima do recomendado para o objetivo individual.

As pessoas gostam de modas, isso é indiscutível, as pessoas gostam de “ouvir” algo diferente, porque acham que é esse “algo diferente” que vai ser a chave para o sucesso. Aqui estamos a abordar o jejum intermitente, mas poderíamos falar de outras tendências como a exclusão do glúten e lacticínios, a promoção de vários tipos de suplementos nutricionais, análises clínicas ou testes de intolerância alimentar que não têm validade científica, etc.

De uma coisa temos a certeza, há efeitos negativos do jejum prolongado. Assim como há pessoas que se adaptam bem há pessoas que até ganham peso porque pode estimular o binge eating (distúrbio do comportamento alimentar caracterizado principalmente por episódios de ingestão descontrolada de comida). Em muitas pessoas aumenta o stress e eleva os níveis de cortisol levando mesmo a alterações de humor. Indivíduos com diabetes (o jejum prolongado aumenta os episódios de hipoglicemia) e algum tipo de doença cardíaca (ex: hipertensão), também devem ficar de fora desta estratégia. O mesmo acontece com grávidas e lactantes.

Afinal quem pode beneficiar desta estratégia?

Longos períodos de jejum podem ser uma boa alternativa para as pessoas que acordam sem fome e não gostam/não apreciam a primeira refeição do dia: o pequeno-almoço, ou não têm organização e planeamento suficiente para prepararem merendas equilibradas a meio da tarde ou a meio da manhã.

Eventualmente o jejum pode ser uma estratégia de perda de peso interessante para pessoas que têm dificuldade em fazer escolhas saudáveis para snacks, uma vez que deixam de introduzir os snacks calóricos e nutricionalmente maus e optam por fazer duas refeições diárias equilibradas, completas e variadas nutricionalmente. É melhor eu fazer duas refeições maiores, com porções maiores de “alimentos de verdade” (arroz, massa, batata, carne, peixe, ovos, hortícolas etc), do que fazer refeições principais mais pequenas e depois fazer escolhas pouco interessantes nutricionalmente para snacks (bolos, bolachas, barras de cereais, chocolate etc).

Em suma,

Não vá em modas, perceba em conjunto com o profissional de saúde o que é melhor para si e para o estilo de vida que tem, há várias estradas para chegarmos ao mesmo destino, não se esqueça disso!

Bibliografia

  1. Duregon, E. (2021). Intermittent fasting: from calories to time restriction.

  2. Tinsley, G. M. (2015). Effects of intermittent fasting on body composition and clinical health markers in humans.

  3. Varady, K. A. (2022). Clinical application of intermittent fasting for weight loss: progress and future directions.

  4. Vasim, I. (2022). Intermittent Fasting and Metabolic Health.

  5. Zhang, Q. (2022). Intermittent Fasting versus Continuous Calorie Restriction: Which Is Better for Weight Loss?

Picture of Joana Santos
Joana Santos

Nutricionista
Cédula Profissional 1522N

Gostaste deste artigo? Partilha com os teus amigos :

Facebook
LinkedIn
WhatsApp
Picture of Centro Formação CEFAD
Centro Formação CEFAD
Índice
Blog Posts em Destaque
Linguagem um Elemento Transformador Dicas CEFAD photo

A linguagem como elemento transformador

A linguagem é um elemento poderoso que molda a forma como olhamos o mundo ao nosso redor. Ela deve ser pensada como um lugar de interação, de constituição de identidades, de representação de papeis, de negociação de sentidos e encarada não só como forma de representação do mundo, mas essencialmente, como forma de interação social.

Conversas de ginásio: A gíria ginasiana

Conversas de ginásio: A gíria ginasiana

O profissional do fitness é um caso paradigmático do uso da gíria. Também ele tem vindo a contribuir para o enriquecimento lexical da língua portuguesa com palavras e expressões que atestam a singularidade da linguagem ginasiana (chamemos-lhe assim). Língua viva A língua é como um músculo, precisa de estar em constante movimento ou então esmorece,

Leijon ME, Faskunger J, Bendtsen P, Festin K, Nilsen P. Quem não adere às recomendações de atividade física e por quê?. Cuidados de Saúde. 2011;29(4):234-40. - Clark, M.A. & Luccet, S.C. NASM essentials of corrective exercise training. 2011 - Conceito Atuais em Alongamento Muscular para Exercício e Reabilitação. Jornal Internacional de Fisioterapia Desportiva. 2012;7(1):109-119.

Reabilitação Muscular da Coluna Vertebral nos Desvios Posturais e Dor de Costas

Existem dois tipos de pessoas: As que têm dores de costas e…… ….as que vão ter dores de costas!! Segundo a Sociedade Portuguesa de Patologia da Coluna Vertebral, 7 em cada 10 portugueses sofrem ou já sofreram de dores nas costas. 80% das lombalgias são de origem mecânica e uma grande percentagem deve-se a razões

Scroll to Top