O profissional do fitness é um caso paradigmático do uso da gíria. Também ele tem vindo a contribuir para o enriquecimento lexical da língua portuguesa com palavras e expressões que atestam a singularidade da linguagem ginasiana (chamemos-lhe assim).
Língua viva
A língua é como um músculo, precisa de estar em constante movimento ou então esmorece, definha, morre. Para sobreviver, adapta-se e molda-se às necessidades comunicacionais da sociedade, aumentando o seu léxico.
A uma língua que é falada atualmente convencionou-se chamar de “língua viva”, contrapondo-se a língua morta, que é aquela já extinta e só artificialmente usada, como o latim, nomeadamente em expressões jurídicas ou máximas, como mens sana in corpore sano, tão cara ao mundo do fitness.
Como língua falada por aproximadamente 280 milhões falantes, a língua portuguesa não foge à regra e também ela está em constante evolução. Exemplo disso é o advento da cultura do fitness no nosso país, que veio acrescentar novas palavras e conceitos ao já de si rico léxico português, a que as idas frequentes ao ginásio ajudaram a fomentar entre um grupo restrito de falantes.
O que é a gíria?
A gíria é um dos vários registos de língua, como o são o corrente, o cuidado, o familiar, o popular, o científico e o calão, distinguindo-se deste último por se tratar de uma forma de linguagem que é característica de um grupo profissional ou sociocultural.
Estruturalmente, a gíria contém palavras ou expressões que se afastam da norma culta, muitas das vezes oriundas da cultura de determinado povo ou região, com o intuito de substituir termos formais da língua e dar-lhes um sentido figurado. Por serem algo exclusivo de um pequeno grupo, é comum que muitas gírias não sejam reconhecidas por outras pessoas, fortalecendo assim a identidade cultural de grupos sociais ou profissionais.
A gíria ginasiana
O profissional do fitness é um caso paradigmático do uso da gíria. Também ele tem vindo a contribuir para o enriquecimento lexical da língua portuguesa com palavras e expressões que atestam a singularidade da linguagem ginasiana (chamemos-lhe assim).
Por exemplo, quando ouvimos uma expressão do género “Mano, ‘bora aí puxar ferro p’ra fazer um up no shape e ficar todo fit?” quase que precisamos de ir ao google translator para entendermos o seu significado, tal a linguagem hermética utilizada. Isto porque os frequentadores de ginásio – maioritariamente jovens – comunicam entre si com recurso a termos e expressões perfilhados de outros idiomas e culturas, adaptando-os à realidade portuguesa, em resultado de uma certa americanização da nossa cultura.
Assim, palavras e expressões como “malhar”, “estar todo bombado” ou “puxar ferro”, para não falar do “rato de ginásio”, “shape” ou mesmo “ficar fit”, fazem, hoje, parte do universo ginasista, tendo ganhado o direito de figurar nos dicionários de língua portuguesa, por designarem novas realidades comunicacionais.
Neologismos
Os termos usados no ginásio têm vários pontos de origem. Uns por simples analogia, outros por apropriação idiomática ou pura simplificação, aportam à língua portuguesa um fresco sabor a novidade, dando todo um sentido à expressão “língua viva”.
Gramaticalmente, às novas palavras que se acrescentam a uma língua dá-se o nome de neologismo, em resultado de vários processos irregulares de formação de palavras, que são seis. A saber: extensão semântica; empréstimo; sigla; acrónimo; truncação e amálgama.
Por extensão semântica entende-se qualquer palavra já existente que adquire um novo significado. É aqui que podemos englobar palavras como “malhar” (originalmente “bater com o malho”) que, por analogia, adquiriu o significado de “fazer exercício físico”; “prancha” (tábua grande e grossa no original), que passou a designar também um tipo específico de exercício físico; ou mesmo “elíptica” (aparelho estático com plataformas para os pés e barra para apoiar os punhos, usado para fazer exercício físico com movimentos aproximadamente ovais), cuja origem estará relacionada com a sua forma em elipse (linha curva fechada produzida pela secção que um plano oblíquo ao eixo fez num cone reto).
Relativamente ao empréstimo (palavra estrangeira adotada por uma língua), destacam-se os de origem anglo-saxónica, onde para lá do fitness se inserem termos como shape, bodybuilding (se bem que este último já tem a tradução de “culturismo”), ou mesmo “aeróbica” (do inglês aerobics), leg press (aparelho para treino de músculos inferiores) ou peck deck (aparelho para trabalhar a musculatura do peito).
Como sigla temos a palavra PT (personal trainer) – principal saída profissional dos cursos CEFAD. CEFAD que mais não é do que o acrónimo – para quem não sabe – de “Centro de Educação e Formação em Atividade Desportiva”.
Por fim, temos o “cárdio” (redução de cardiovascular), que significa exercício que estimula a frequência cardíaca, ou os “reps” (redução de repetições), como exemplos de truncação (abreviatura de uma palavra),
Para a amálgama (junção de partes de duas palavras) é que não me ocorreu nenhum termo relativo ao ginásio como exemplo. Fiquemos com o de “informática” (informação+automática).
A título de curiosidade, referência ainda para os casos das palavras “burpees” e “pilates”, dois métodos de exercício físico, que devem os seus nomes, respetivamente, a Royal H. Burpee, fisiologista americano que desenvolveu o Teste de Burpee, e Joseph Pilates, inventor do conhecido método com o mesmo nome. (Em português, chamamos de epónimo quando uma personalidade dá o seu nome a algo que inventou.)
Mais palavras haveria a acrescentar a esta já de si extensa lista, mas o meu parco conhecimento na área assim não mo permite. (Aproveito, desde já, para agradecer a todos os meus formandos do CEFAD pelo contributo na constituição da mesma.)
Conclusão
É ponto assente que a cultura do fitness recorre predominantemente ao inglês como base da sua terminologia, estabelecendo assim um conceito universal. Logo, pouco espaço haverá para o português. No entanto, não seria de todo despiciendo utilizar o termo “treinador pessoal” ao invés de personal trainer. Claro que há termos de difícil tradução, eu diria quase intraduzíveis. Por exemplo, como diríamos fitness (conjunto de exercícios que favorecem a forma física) em bom português? Aptidão física?
Fica aqui lançado o repto. Reflitamos sobre o assunto, enquanto fazemos uns push-ups, digo, flexões.
Webgrafia
- https://pt.wikipedia.org/wiki/G%C3%ADria
- https://www.infopedia.pt/
- https://dicionario.priberam.org/
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