A expressão “na saúde e na doença” aplica-se normalmente noutro contexto, mas pode-se muito bem aplicar ao exercício físico, por ser uma ferramenta poderosa na prevenção e promoção da saúde, bem como coadjuvante terapêutico numa série de condições clínicas.
A evidência científica é inquestionável. Ao longo do artigo pretendo alertar para a pandemia da inatividade física e destacar o papel do exercício nas populações clínicas, reforçando a importância da sua prática, pois normalmente estas são as pessoas que menos fazem e, em simultâneo, as que mais precisam, dada a sua importância na gestão e controlo da doença.
É urgente estabelecer um relacionamento com o exercício físico para a vida, “na saúde e na doença”!
Fitness e a Comunicação
Acredito que cada vez mais, a comunicação deve ser para a saúde, pois o fitness ao longo dos tempos, tem insistido em comunicar para gente jovem e com uma condição física superior, através de imagens de corpos “perfeitos”, treinos muito intensos, complexos e que parecem ser só para alguns, ou seja, para os que “menos” precisam.
Cada vez mais o “no pain no gain” deve dar lugar ao “no brain no gain”.
Agora pergunto,
- Quantas pessoas com obesidade, diabetes, doença oncológica, depressão, doença cardíaca, problemas neurológicos temos nos nossos ginásios?
- Quanto poderiam beneficiar com a prática de exercício adequado e de modo consistente?
- Quanto poderia ser reduzido na despesa pública com cuidados de saúde?
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, as doenças não transmissíveis (DNTs), onde se inclui a doença cardíaca, AVC, cancro, diabetes e doença pulmonar crónica, são responsáveis por quase 74% das mortes a nível mundial1. Os quatro fatores de risco que mais contribuem para o crescimento das DNTs são o tabagismo, a inatividade física, o álcool em excesso e dietas pouco saudáveis. Além dos mencionados, em 2018, as Nações Unidas adicionaram a doença mental ao conjunto de DNTs mais prevalentes, designando-as por “big five” e a poluição atmosférica aos quatro fatores de risco anteriores, desenvolvendo uma abordagem denominada “five to five”2. No que respeita ao exercício, de uma forma geral, há maior consciência de que uma prática regular é benéfica para a saúde e que, em sentido contrário, um estilo de vida sedentário aumenta o risco de desenvolver ou agravar um conjunto alargado de problemas, no entanto ainda há um longo caminho a percorrer.
Recorrendo aos dados do Eurobarómetro do Desporto e Atividade Física de 20223, publicados muito recentemente, observa-se que Portugal ocupa o primeiro lugar no pódio em termos de inatividade física.
Relativamente à prática de exercício e/ou desporto, 73 % dos portugueses revelaram nunca fazer e 5% referiram fazer raramente, contra 45% e 17%, respetivamente, a nível europeu. Além disso, em termos de atividade física, onde se incluem atividades não estruturadas, como caminhar, deslocar-se de bicicleta ou jardinar, 72 % dos portugueses indicaram que nunca fazem e 11% que o fazem raramente, contra 45% e 17% a nível europeu.
Um grupo de investigadores estimou que, a nível global, a inatividade física é responsável por cerca de 6% de doenças coronárias, 7% de diabetes tipo 2, 10% de cancros da mama e 10% de cancros do colon4. Os mesmos autores destacam que cerca de 9% das mortes prematuras poderiam ser evitadas, adicionando cerca de 0,68 anos à esperança média de vida global. Uma redução de 10% ou de 25% na inatividade física, poderia significar uma redução de mais de 533 mil mortes ou de 1,3 milhões de mortes, respetivamente4. E não basta cumprir as recomendações de atividade física, é mesmo necessário, reduzir o tempo em comportamento sedentário. Independente dos níveis de atividade física, o tempo sentado e o tempo a ver televisão, associam-se a um maior risco de mortalidade por todas as causas e por causa cardiovascular5. Um limiar de 6-8 horas/dia de tempo sentado e de 3-4 horas/dia a ver televisão foi identificado como o nível a partir do qual o risco aumenta 5.
Além das consequências para a saúde dos indivíduos, das famílias e comunidades, os custos socioeconómicos da inatividade física são enormes. Recentemente, foi publicado na comunicação social, um estudo efetuado pela Deloitte, que refere um impacto negativo de mais de 980 milhões no sistema de saúde, decorrentes da inatividade6. Cada trabalhador inativo custa cerca 1142 euros anuais (336 euros em cuidados de saúde e 806 euros em potencial perdido no aumento do PIB, devido ao absentismo e perda de produtividade), o que representa 7% do rendimento médio disponível por pessoa. Outro dado que revela a extrema importância para a saúde pública é que por cada trabalhador que se torne ativo, o governo pode ter um potencial benefício de 397 euros. É claramente uma área onde vale a pena investir!
Os níveis de prática regular de exercício em Portugal são muito baixos, pioram com o envelhecimento e em situação de doença os benefícios são tremendos e subaproveitados.
O exercício físico pode ser prescrito como um medicamento para o tratamento de 26 doenças diferentes, onde se incluem doenças psiquiátricas, neurológicas, metabólicas, cardiovasculares, pulmonares, músculo esqueléticas e cancro7.
Os profissionais de saúde têm a obrigação de informar os pacientes sobre os riscos do sedentarismo e de prescrever exercício físico regular, pois “o exercício é um medicamento que todos os pacientes precisam de tomar”8.
Exercício e Doença cardíaca
As doenças cardiovasculares constituem a principal causa de morte a nível mundial, sendo responsáveis por 31% das mortes, dados que também se verificam na realidade portuguesa, onde a taxa de mortalidade é de 29%9. Inúmeros estudos têm demonstrado uma relação inversa entre os níveis de atividade física, de aptidão cardiorrespiratória e a incidência de doença cardiovascular e a mortalidade por todas as causas ou por causa cardiovascular 10. Em indivíduos com doença cardíaca o exercício melhora o limiar a partir do qual surgem os sinais e sintomas da doença (por exemplo, angina de peito, depressão isquémica do segmento st e claudicação), é decisivo no controlo dos fatores de risco, através da diminuição da pressão arterial, dos níveis de triglicerídeos, da gordura total e gordura visceral, das necessidades de insulina e do aumento da tolerância à glicose, da redução da agregação e adesão das plaquetas sanguíneas, do aumento do colesterol HDL e da redução da inflamação10. Em termos de prevenção secundária (prevenção de novo evento cardíaco), após enfarte do miocárdio, aqueles que participam em programas de reabilitação cardíaca que inclua exercício físico, têm um menor risco de mortalidade por todas as causas e por causa cardiovascular, sobretudo pela contribuição na redução dos fatores de risco. Também têm menos taxas de admissão hospitalar e melhor qualidade de vida. Organizações como a Associação Americana de Cardiologia 11 e a Sociedade Europeia de Cardiologia 12, salientam o papel determinante do exercício na doença cardíaca, tendo este classe de recomendação A (nível máximo) e evidência científica de nível I (nível máximo).
Existem benefícios claros, no controlo e progressão da doença, bem como na melhoria da capacidade funcional e qualidade de vida, pelo que é urgente criar condições para que mais pacientes pratiquem em segurança.
Cancro
O cancro representa a segunda causa de morte a nível global e desenvolve-se a partir de uma complexa interação entre fatores genéticos, ambientais e do estilo de vida, havendo uma grande necessidade e oportunidade de prevenção através de mudanças no estilo de vida 13. Existe evidência robusta de que a atividade física reduz o risco de cancro de mama, colon, endométrio, bexiga, estomago, esofágico (adenocarcinoma) e renal, e evidência moderada para um menor risco de cancro do pulmão. A redução do risco relativo da incidência dos tipos de cancro referidos situa-se entre os 10 e 20%. Além do papel na prevenção, após diagnóstico de cancro, a evidência epidemiológica, ainda que numa fase inicial dos resultados, aponta para uma redução do risco de mortalidade de 40 a 50% no cancro da mama, do colon e da próstata, naqueles que têm maiores níveis de atividade física 13. Diversos estudos têm demonstrado o impacto do exercício físico na qualidade de vida, através da redução da fadiga e sintomas depressivos durante e após os tratamentos 10.
Todas as pessoas devem ser encorajadas a alcançar os níveis recomendados de atividade física, para reduzir o risco de desenvolver cancro e para melhorar o prognóstico após diagnóstico 13. Os benefícios são irrefutáveis!
Diabetes
A diabetes tipo 2, à semelhança de outras doenças não transmissíveis, tem crescido ao longo dos anos e está altamente relacionada com o estilo de vida, tendo um impacto significativo na saúde cardiovascular, renal, neurológica, ocular e qualidade de vida.
O exercício é uma das estratégias de tratamento não medicamentoso mais recomendadas e com maior impacto no controlo da doença, juntamente com a dieta. Através do exercício, quer aeróbio, quer de resistência muscular, idealmente uma combinação dos dois, ocorre uma melhoria dos mecanismos de regulação da glicose14. Está bem descrito que uma menor aptidão cardiorrespiratória é um importante e independente preditor de mortalidade por todas as causas em pacientes com diabetes tipo2. Estes, apresentam na realidade, 2 a 4 vezes maior probabilidade de uma doença cardiovascular que indivíduos saudáveis, devido à complexidade metabólica e comorbilidades associadas, como obesidade, resistência à insulina, dislipidemia, hiperglicemia e hipertensão. Além dos benefícios cardiovasculares em diabéticos, o exercício melhora o controlo glicémico, a sinalização da insulina, o perfil lipídico, reduz o estado inflamatório de baixo grau, melhora a função vascular, contribui para a perda de peso e para a redução dos níveis de hemoglobina glicada 14. Outro aspeto muito importante, advém do facto do exercício possibilitar o transporte de glicose de forma independente da insulina.
Não há qualquer dúvida da importância do exercício na diabetes, é necessário criar condições e encontrar estratégias para colocar os pacientes a fazer exercício com regularidade.
Saúde Mental
Os problemas de saúde mental, onde se inclui a depressão, são uma causa comum de morbilidade e mortalidade em todo o mundo.
No caso da depressão, é comumente tratada com antidepressivos e/ou psicoterapia, mas há quem prefira abordagens alternativas, como por exemplo o exercício7.
A literatura recente tem demonstrado que maiores níveis de atividade física e de exercício têm um efeito protetor na incidência da depressão e é eficaz na redução dos sintomas depressivos 15 16.
Alguns estudos têm demonstrado que o exercício aeróbio, de resistência muscular e atividades corpo e mente, contribuem para a redução dos sintomas depressivos15. A probabilidade de desenvolver depressão é menor nos sujeitos que têm níveis de prática superiores e nos que praticam atividades moderadas a vigorosas, comparativamente com atividades leves 16. Além da depressão, o exercício também é uma excelente ferramenta na gestão do stress e da ansiedade. Não basta reconhecer os benefícios, é essencial que sejam adotadas algumas estratégias para melhorar a adesão ao exercício 17.
Considerações finais
De seguida poderia enumerar os benefícios do exercício físico a nível neurológico, quer na prevenção, quer na gestão e controlo de doenças como a esclerose múltipla, demência, acidente vascular cerebral, Parkinson, entre outras. Poderia também destacar o papel do exercício na capacidade funcional e qualidade de vida na doença pulmonar obstrutiva crónica ou os benefícios e estratégias a adotar em doentes asmáticos.
Depois poderia seguir pela importância do exercício nas doenças reumatológicas ou nos problemas músculo-esqueléticos salientando a melhoria nas atividades da vida diária, a redução da dor crónica, a redução de sentimentos depressivos e os ganhos na qualidade de vida.
Na terceira idade, entre muitos outros, poderia destacar o papel do exercício na sarcopenia (perda de massa muscular), na melhoria do equilíbrio e redução do risco de queda, no controlo de fatores de risco para doença cardiovascular e na gestão de doenças pré-existentes…
Os profissionais do exercício possuem uma ferramenta incrível para promover a saúde e o bem-estar em populações clínicas. É necessário um esforço conjunto de todos os intervenientes, pois o papel do exercício físico na saúde e, sobretudo na doença, tem demasiados benefícios para ser negligenciado, como tem sido.
Cada vez mais, é urgente prescrever exercício (na saúde e) na doença!
Licenciado em Ciências do Desporto e EF, pela Universidade de Coimbra e Mestre em Atividade Física e Saúde, pela Universidade do Porto.
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