É preciso mudar!
Dados de Atividade Física no Mundo e em Portugal
Em 2016, a prevalência estimada de Inatividade Física (IF) global foi de 27,5% sendo a IF definida como “não fazer 150 minutos de atividade de intensidade moderada ou 75 minutos de atividade de elevada intensidade por semana, ou qualquer combinação das duas”.
Segundo o Eurobarómetro 2017, que avaliou os 28 estados-membros da União Europeia em dezembro de 2017, existe evidência que a prática de Atividade Física (AF) regular, não só é insuficiente, como tem vindo a reduzir-se desde 2009.
Portugal não é exceção e acompanha esta tendência sendo um dos países europeus com percentagem de níveis de AF mais baixos. Os valores estimados de IF foram de 46% (40% nos homens e 52% nas mulheres). A percentagem de portugueses que “nunca caminha pelo menos 10 minutos” aumentou 30% de 2013 (17%) para 2017 (47%). 68% da população, “nunca faz exercício ou desporto”, sendo que esta percentagem aumentou 4% em relação aos dados de 2013. O número de mulheres que nunca pratica qualquer tipo de desporto mesmo que seja raramente, é de 78%, valores significativamente superiores à média europeia, 64%. Inversamente, diminuiu a percentagem dos que praticam outras atividades (usar a bicicleta para deslocação, dançar, fazer jardinagem etc.) de 17%, em 2009, para 5% em 2017 e dos que praticam exercício ou desporto regularmente de 9% em 2009 para 5% em 2017. Decresceu também a percentagem dos que praticam AF de intensidade moderada (de 14% para 10%, enquanto a média europeia se situa nos 23%) e dos que praticam AF vigorosa (de 9% para 7%).
Os dados de AF das crianças e adolescentes portugueses são, igualmente, inquietantes. Num estudo nacional em que se mediu a AF com recurso a acelerometria, mostrou que, em crianças e adolescentes entre os 10 e os 17 anos de idade, apenas os rapazes entre os 10-11 anos cumpriam as recomendações diárias de 60 minutos de AF moderada a vigorosa. À medida que a idade aumenta, os níveis de prática diminuem, sendo sempre menores nas raparigas.
A preocupação com os baixos níveis de Atividade Física da população Portuguesa aumenta quando se cruza com a análise do tempo passado em Comportamento Sedentário (CS). É hoje ponto assente que os CS´s têm um impacto negativo na saúde, independentemente do nível de prática física individual. Ou seja, um indivíduo considerado “ativo” que atinja as Recomendações de AF, tem prejuízo para a sua saúde caso tenha, concomitantemente, CS´s de longa duração. No entanto, esse prejuízo será tanto menor quanto maior for a intensidade da AF praticada.
Ora, verifica-se que este comportamento é de cerca de 8 horas/dia nas crianças com 6-9 anos e aproximadamente, 10 horas/dia nos adolescentes com 10-14 anos, sendo este um dos escalões com maior prevalência de IF que requer a urgente adoção de medidas face às consequências nefastas que esta realidade acarreta para a saúde dos adolescentes.
Desde 2010, várias têm sido as medidas adotadas no sentido de combater este flagelo, mas verifica-se que têm sido insuficientes para alterar esta realidade. Em 2022, no quinto relatório (Eurobarómetro, 2022) dedicado ao tema, continua a existir uma elevada percentagem de portugueses (73%) que dizem nunca se exercitar ou praticar desporto e 5% que refere fazê-lo “raramente”, valor superior aos que o fazem “regularmente”, 4%. Portugal continua a apresentar a mais alta taxa de IF dos países europeus abrangidos pelo estudo, seguido pela Grécia (68%) e pela Polónia (65%).
Tomando como referência todos estes dados disponíveis, estima-se que mais de três quartos (75%-80%) da população em Portugal não é suficientemente ativa para obter benefícios importantes na sua saúde.
As recomendações internacionais de Atividade Física e Comportamento Sedentário da Organização Mundial da Saúde (OMS)
As Recomendações da OMS sobre AF e CS (criadas em 2010 e atualizadas em 2020), fornecem orientações de saúde pública sobre a quantidade de AF (frequência, intensidade e duração) necessária para oferecer benefícios significativos e mitigar riscos de saúde, tendo em conta vários subgrupos populacionais: crianças, adolescentes, adultos e idosos, subgrupos com condições crónicas de saúde e/ou incapacidade e com os períodos de gravidez e pós-parto. Foram desenvolvidas por consenso e publicadas online para consulta pública, incluindo seis mensagens-chave principais:
- A AF é boa para o coração, corpo e mente, promovendo o bem-estar e ajudando a prevenir e/ou gerir um conjunto importante de doenças crónicas do foro cardiovascular, físico e mental, quando praticada de forma regular.
- Qualquer volume de AF é melhor do que nenhum e mais é melhor, sendo que, a prática de um volume de AF superior ao volume mínimo recomendado, fornece benefícios adicionais.
- Toda a AF conta, podendo ser incluída nos diferentes contextos de vida, incluindo trabalho, forma de transporte, tarefas domésticas ou tempos recreativos.
- Atividades de fortalecimento muscular beneficiam todos, incluindo adultos com 65 anos ou mais, que devem incluir este tipo de atividades ao longo da semana, de forma a promover o equilíbrio, coordenação e força muscular, contribuindo para a prevenção de quedas e melhoria da saúde.
- CS em excesso é prejudicial à saúde, podendo aumentar o risco de doença cardiovascular, cancro e diabetes tipo II. Deve, por isso, ser limitado e/ou interrompido.
- Todos podem beneficiar com o aumento dos seus níveis de AF e redução do seu CS, incluindo mulheres grávidas ou em período pós-parto e pessoas com doenças crónicas ou com deficiência.
E tu, consideras-te uma pessoa Ativa?
Plano de Ação Global da OMS para a AF 2018-2030
Conscientes de que quatro a cinco milhões de mortes e 6 a 10 milhões de doenças não transmissíveis poderiam ser evitadas, por ano, se a população mundial fosse fisicamente mais ativa (WHO, 2014), a OMS lançou recomendações globais, ajudando os países a desenvolver políticas nacionais de saúde baseadas em evidência e levando-os a apoiarem a implementação do Plano de Ação Global da OMS para a AF 2018-2030 (PAGAF), (WHO, 2019) através de 4 objetivos principais: criar pessoas mais ativas, sociedades mais ativas, sistemas mais ativos e ambientes mais ativos. Este PAGAF que tem por meta a redução da IF de cada país em 15 % até 2030, traduz-se em criar ações políticas que ajudem os países a promover a AF e a reduzir o CS. Para influenciar a mudança sustentada de comportamento, as campanhas de comunicação desenvolvidas pelos países devem ser apoiadas por políticas que criem ambientes favoráveis e incentivem a participação em AF´s. Neste contexto a articulação entre a OMS e o contexto local, seja do sistema de saúde, seja das diferentes instituições com interesse ou papel na promoção da AF desempenham um papel fundamental.
Programa Nacional de Promoção de Atividade Física
Para além das medidas adotadas a nível internacional, também em Portugal foi criado o Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física (PNPAF) em 2016 (Despacho 6401/2016, 2016, p.15239) que teve como documento orientador a Estratégia Nacional Para a Promoção da Atividade Física da Saúde e do Bem-Estar em sintonia com o Plano Nacional de Saúde (DGS, 2015) e inúmeras orientações internacionais, incluindo as da OMS.
O PNPAF estabeleceu como Metas de saúde até 2020: aumentar a percentagem de adultos que indica fazer exercício ou desporto com regularidade; aumentar a percentagem de adolescentes que pratica AF três ou mais vezes por semana; aumentar a percentagem de adultos com menos de 7,5 h/dia em atividade sedentária;
A conclusão da comissão constituída em 2017 para os diversos setores para a promoção da AF, indica que apesar de algumas ações concretas por iniciativa das estruturas oficiais, é fundamental a promoção transversal da cultura de AF, através do apoio a projetos individuais e profissionais, multiplicando os exemplos e aumentando as oportunidades. Apenas com o resultado do esforço conjunto de todos os intervenientes, desde um nível micro até um nível macro, será possível alcançar as metas definidas, tendo como objetivo a alteração dos atuais padrões.
Neste contexto, os profissionais de saúde encontram-se numa posição privilegiada, tanto em termos de relação, como de conhecimentos, para estimularem a AF. Noutro patamar, as políticas autárquicas de apoio a iniciativas e a projetos comunitários para prática de AF têm uma importância decisiva e ganham cada vez mais destaque.
Consequências e implicações da Inatividade Física em Portugal
A falta de (AF) e o sedentarismo são problemas graves de Saúde Pública a nível mundial e constituem fatores de risco de mortalidade elevados no que respeita a doenças crónicas não transmissíveis. Apesar da importância reconhecida que a AF e o EF assumem na prevenção e tratamento das referidas doenças, bem como na saúde mental e na qualidade de vida, a organização e a dinâmica das sociedades atuais continuam a registar um aumento do sedentarismo da população mundial, ultrapassando os 25% globalmente. Ou seja, 1,4 biliões de pessoas situam-se na categoria assinalada como de “alto risco” para contraírem doenças crónicas não transmissíveis, nas quais se incluem doenças cardiovasculares, oncológicas, metabólicas, como a diabetes tipo II, obesidade, demências, e outras, responsáveis por um elevado número de mortes a nível mundial.
Os baixos níveis de AF e de EF a nível mundial e em particular, em Portugal, são uma preocupação de todos os organismos implicados na estrutura da saúde pública. Demasiadas pessoas não praticam AF suficiente para proteger a sua saúde. Ora, considerando que a IF é o quarto maior fator de risco comportamental para a saúde, sendo responsável por cerca de 5 milhões de mortes anualmente, o aumento da AF para níveis recomendados resultaria num aumento da esperança média de vida de 0,6 anos no continente europeu e de 0,9 anos no caso de Portugal.
Em termos económicos, estima-se que a IF custe entre 150-300€/ano por cada cidadão europeu, seja em resultado de maiores gastos com o absentismo e produtividade limitada (devido a condição de saúde), seja em gastos diretos na saúde.
Em Portugal, as mortes motivadas por doenças representaram 95,4% do total de óbitos na população residente em 2018 sendo que cerca de um terço de todas as mortes em Portugal se devem a fatores de risco comportamentais, entre os quais a AF insuficiente. Sabendo que níveis adequados de AF na população portuguesa evitariam 4,5% da prevalência de doença cerebrovascular, 4,0% dos casos de doença coronária (as duas maiores causas de morte em Portugal), 11% dos casos da diabetes do tipo II, 14% dos casos de cancro da mama e15% de cancro colorretal e 9% da mortalidade, a contínua promoção da AF da população será determinante para a redução destes valores. Neste contexto, torna-se fundamental aumentar e dar continuidade ao investimento na prevenção. Em Portugal apenas 1% do PIB é gasto em ações de prevenção!
Para além da prevenção, a prática de níveis adequados de AF é igualmente fundamental para o atraso na progressão da doença e melhoria do estado clínico de um conjunto importante de patologias conforme é apresentado na Tabela que se segue.
Tabela 1:Doenças Crónicas para as quais a AF constitui um importante coadjuvante terapêutico adaptada de Pedersen & Saltin, (2015).
Poucas são as intervenções comportamentais em saúde que apresentam benefícios em tantas áreas médicas como a AF.
Percebe-se assim, a necessidade urgente de investir em políticas governamentais que tornem as sociedades mais ativas recomendadas pelo PAGAF 2018-30. Este investimento poderá também representar uma poupança, em termos financeiros, para os sobrecarregados sistemas nacionais de saúde.
Neste contexto, os profissionais ligados ao Exercício Físico encontram-se numa posição privilegiada, tanto em termos de relação, como de conhecimentos, para estimularem a AF. Noutro patamar, as políticas autárquicas de apoio a iniciativas e a projetos comunitários para prática de AF têm uma importância decisiva e ganham cada vez mais destaque.
Formadora CEFAD
Referências Bibliográficas
- Despacho no 6401/16 do Ministério da Saúde. (2016), Diário da República. II série, nº 94. https://dre.pt/application/file/74443337
- Despacho nº 8932/17, do Ministério da Saúde. (2017), Diário da República. II série, nº 195. https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/108275649/details/normal?l=1
- DGS. (2015). Plano nacional de saúde: revisão e extensão a 2020. In Direção-Geral da Saúde. https://pns.dgs.pt/pns-revisao-e-extensao-a-2020/
- DGS. (2017). O custo da inatividade física. In SNS.
- Graça, L. (2015). Promoção da saúde: da investigação à prática. In L. Lisboa: SPPS. Editora (Ed.), Sociedade Portuguesa da Psicologia da Saúde, SPPS: Vol. I (1a). www.sp-ps.pt › uploads › publicações.
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- OCDE. (2019). Health at a Glance 2019: OECD Indicators. In OECD Publishing. https://www.oecd-ilibrary.org/social-issues-migration-health/health-at-a-glance_19991312
- OMS. (2010). Relatório Mundial de Saúde – Financiamento dos Sistemas de Saúde. O caminho para a cobertura universal. Relatório Mundial Da Saúde, 1–143. https://doi.org/0-309-06837-1
- OMS. (2020). Recomendações da OMS para atividade física e comportamento sedentário: Resumo.
- Ordem dos Psicólogos Portugueses. (2020). Prosperidade e sustentabilidade das organizações – Relatório do custo do stress e dos problemas de saúde psicológica no trabalho, em Portugal
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- PNPAF (2017). Programa Nacional para a promoção da Atividade Física-PNPAF 2017. DGS
- WHO. (2019). Global action plan on physical activity 2018-2030: more active people for a healthier world. World Health Organization.
- WHO. (2020). Guidelines on physical activity and sedentary behaviour: at a glance. World Health Organization. https://apps.who.int/iris/handle/10665/337001