Temos assistido nos últimos anos a um crescimento exponencial de Personal Trainers em todo o país. Creio que esta corrida massiva à nossa classe profissional se carateriza por diferentes motivações, desde os que se sentem aliciados por uma carreira que se tornará financeiramente abundante de forma “relativamente simples”, aos que foram, ou são, praticantes de atividades de ginásio, e consideram o treino personalizado como uma extensão do seu próprio treino, passando ainda pelos que desempenharam funções em clubes, e se deixam influenciar pelo ambiente “aparentemente liberal” dos mesmos.
Atrevo-me a dizer que as “fornadas” de Personal Trainers que nos chegam ao mercado de trabalho diariamente, se movem aos “combustíveis” mencionados acima.
-Serão estas motivações suficientemente catalisadoras para fazer face às exigências da profissão?
-Terão estes homens e mulheres a missão de contribuir para a melhoria da saúde daqueles com quem trabalham diariamente?
-Afinal o que move verdadeiramente cada um dos profissionais com que nos cruzamos diariamente nos ginásios? Qual o impacto que isso terá no seu sucesso enquanto profissionais?
-Que experiência proporcionaremos aos nossos alunos se as nossas motivações não estiverem direcionadas para eles?
É exatamente sobre estas questões que nos iremos debruçar ao longo das próximas linhas.
Refletir sobre o peso da “camisola” que visto há cerca de 10 anos é um misto de emoção, responsabilidade, orgulho.
Ser Personal Trainer, para mim, é sinónimo de cuidar, é ser parte integrante da vida daqueles que trabalham connosco diariamente, é assumir uma parte da responsabilidade pela saúde física e mental de cada um. Apercebi-me, desde cedo, do pouco valor que nos era reconhecido, contrariamente ao valor que acredito que a nossa classe tem a capacidade de aportar à vida de cada um.
-Carregaram-nos de um rótulo preenchido por corpos definidos, onde o conhecimento, a humildade, e o profissionalismo parecem não ter lugar.
-Seremos nós responsáveis por, aquela que acredito ser, tamanha falácia?
Creio que a responsabilidade que detemos diariamente assenta sobretudo, em demonstrar, a cada um dos que se permitir entregar a sua saúde nas nossas “mãos”, que todo o trabalho desenvolvido poderá provocar alterações que estarão intimamente relacionadas com a melhoria da qualidade de vida e o aumento da longevidade. Enquanto profissionais, somos dotados de um vasto conhecimento que nos permite, entre outras competências, aplicar movimento com segurança, afinal todo e qualquer ser humano foi concebido para se “mexer”. Desta forma, independentemente da condição em que se possa encontrar, uma das premissas para que um humano se mantenha saudável assenta em movimento.
Sabendo que a individualidade de cada ser humano aporta diferentes necessidades, um Personal Trainer tem a capacidade de identificar qual o estímulo necessário para cada corpo, adaptando, deste modo, o tipo de movimento a executar, a carga necessária a adotar, bem como a regularidade em que todo este processo deve ser mantido.
O “trajeto” percorrido pelo profissional, desde o primeiro contacto com o seu aluno, até ao planeamento e respetiva implementação do programa de treino subdivide-se em várias fases. Desde uma avaliação do perfil psicológico, ao conhecimento do historial clínico, passando ainda pelo estudo das atividades da vida diária. Realizamos uma avaliação inicial que visa sobretudo entender quais as motivações do aluno para a prática de atividade física, em que fase de vida se encontra, quais os seus hábitos de vida e as suas rotinas diárias, em que ambientes está inserido, e qual a sua disponibilidade física momentânea. Assim, para que se possa possuir um conhecimento acerca do estado de prontidão física do aluno, é realizada ainda uma avaliação da composição corporal, bem como avaliações ao nível da sua funcionalidade e capacidades físicas.
Inicialmente, tal como descrito, realizamos uma avaliação meticulosa, tendo por base um estudo aprofundado do corpo e da mente, para que posteriormente possamos efetuar uma análise crítica, assente na experiência profissional que possuímos, e em bases científicas que detemos, a fim de delinear um processo de treino que vise suprir as necessidades do aluno, e alcançar os objetivos pressupostos.
Ser Personal Trainer, é sinónimo de entregar de forma leve o peso do conhecimento que os livros nos trouxeram. É ter a capacidade de percecionar aquilo que nos rodeia, e em frações de segundos viajar pela anatomia, visitar a biomecânica, ou mergulhar na fisiologia, a fim de encontrar a fórmula mais adequada para o cenário que enfrentamos.
Em contexto de treino escutamos as “dores” dos nossos alunos, e interiorizamos aquilo que os inquieta, fazendo uma pesquisa profunda na nossa mente até aos conhecimentos da psicologia, procurando argumentos, no sentido de apresentar soluções para as suas inquietudes. Momentaneamente, aumentamos a capacidade de processamento do nosso cérebro para que “não percamos o norte”, afinal existem cadências a controlar, quem sabe surjam assimetrias, ou talvez até sejamos forçados a manipular alavancas, existe ainda a possibilidade de a todo o momento sermos “convidados” a regredir ou aumentar a intensidade da tarefa que solicitámos. São realmente episódios onde, se pudéssemos transformar o nosso cérebro num veículo, certamente não ganharíamos para multas de velocidade.
Acredito piamente que cada um de nós está incumbido da missão de treinar pessoas, defendo que “é exatamente isto que a nossa camisola nos pede”. Quem nos confia a sua saúde poderá não ter esta clarividência, no entanto, pelo conhecimento que detemos, revestimo-nos de uma responsabilidade acrescida a esta parte. Assim, que possamos reconhecer, o ser humano é único, dissociar o corpo da mente é inconcebível.
É imprescindível que possamos treinar cada um dos nossos alunos como a pessoa que nos chega, e não apenas consoante o corpo em que esta se move.
-Do que adiantará possuirmos a melhor periodização, prepararmos o melhor feedback, construímos o melhor treino, se não conseguirmos ter o nosso aluno empenhado no processo?
É urgente que cada um de nós tenha sensibilidade para entender que só estaremos capazes de entregar o nosso valor quando garantirmos que os nossos alunos estão verdadeiramente nas nossas sessões de treino, num estado de presença mantido. É fulcral que a sua mentes permaneçam onde estão os seus corpos, quando assim não acontece, o trabalho que pretendemos desenvolver jamais terá a aplicabilidade que idealizámos.
Atravessamos uma fase da história onde o ser humano vive sob aquilo que denominamos como “síndrome do pensamento acelerado”. Precisamos de atingir resultados para ontem, reforçamos uma ideia constante de comparação, vivemos uma toxicidade atroz em ambientes profissionais, e a par destes cenários consideramos que ainda conseguiremos alcançar os melhores resultados.
Como podemos ambicionar alcançar qualquer tipo de objetivo quando toda a conjetura da nossa mente nos leva a estar menos criativos, mais irritados, mais cansados?
-Se sabemos, enquanto profissionais, que um estado de “stress/alerta” constante eleva de forma significativa e continuada os níveis de cortisol, como podemos esperar evolução dos nossos alunos? Estas mutações terão repercussões a nível de padrões de sono, alterações do tónus muscular, estados inflamatórios do organismo, sintomatologias.
-O que acontecerá a todo o planeamento que efetuámos previamente?
-Que implicâncias terão todas estas alterações ao nível da nossa periodização?
-Que papel teremos enquanto Personal Trainers?
É sobre todas estas questões que gostaria que pudesses refletir!
Enfrentamos um momento crítico, em que possuímos uma “janela de oportunidade” para marcar a diferença na vida de cada um dos que confia a sua saúde nas nossas mãos, as pessoas precisam de nós.
A par com a velocidade a que cada um guia a sua vida, assistimos também a um avanço gigantesco a nível científico, no que respeita ao estudo da atividade física, que nos permite estar munidos de mais e melhores ferramentas para fazer face aos desafios que nos são colocados diariamente por aqueles que nos procuram.
-O que precisamos de entregar? Afinal o que as pessoas procuram?
-Em jeito de conclusão, quero refletir contigo!
Pouco adianta que tenhamos o maior conhecimento científico se não formos ouvidos, de nada nos valerá a melhor prescrição, se não conseguirmos garantir que existe adesão ao processo.
Necessitamos de criar boas experiências. As pessoas necessitam de criar uma “ancoragem positiva” para com o processo de treino, enquanto não o conseguirmos dificilmente iremos ter oportunidade de mostrar o nosso valor, e consequentemente jamais seremos vistos como necessários.
-A nossa missão é com os outros, com o que necessitam de nós.
Não posso crer que esta camisola se mova a dinheiro, ou ao corpo perfeito. O peso dela reside na simplicidade, cada um dos que a quiser vestir, que a possa transportar com a missão de ajudar e servir todos os que nos procuram diariamente. Acredito que deste modo viveremos a todo o momento numa procura incessante de respostas que possam satisfazer a necessidade de quem em nós confia. Incumbidos desta missão trabalharemos arduamente a fim de contribuir para que cada um possa melhorar a sua saúde física e mental, e só assim jamais questionaremos o valor que possuímos, porque aqueles que em nós confiam farão questão de reforçar diariamente a importância que detemos nas suas vidas.
A verdadeira metodologia do treino personalizado jamais se reproduzirá apenas em bases científicas.
Possuímos uma profissão de pessoas, para as pessoas.
Aos meus alunos,
Aos meus colegas,
À nossa camisola que tanto me orgulha,
Aos Personal Trainers.
Formador CEFAD