O envelhecimento é um processo natural que acarreta uma perda progressiva dos sistemas fisiológicos, representada em alguns casos por uma alteração da capacidade de realização das atividades de vida diária. Hoje, procura-se aquilo que se denomina de “compressão da morbilidade”, isto é, limitar o condicionamento devido às doenças crónicas e as alterações funcionais aos últimos anos de vida. Ao invés de se assistir a um prolongamento da vida com patologia, pretende-se aumentar a longevidade com autonomia e independência, obrigando a que as limitações apenas surjam nos estádios finais.
O Declínio Neuromuscular
A capacidade de produção de força bem como a massa muscular, começam a sua diminuição algures entre os 30 e os 40 anos de idade. Este processo tende a acelerar-se na casa dos 60 anos, podendo alcançar valores de 8% de músculo perdidos por década e até 5% de força por ano. Períodos de imobilização como um pós-cirurgicamente, a lesão musculoesquelética, ou até estar acamado, podem acelerar estas perdas de forma inimaginável. A progressiva perda de força e massa muscular, quando demasiado evidente, dá origem a que se instale a Sarcopenia. Doença essa, que poderá fazer parte de uma síndrome geriátrica mais abrangente, denominada de Fragilidade. Pessoas acometidas por estas síndromes têm maior probabilidade de perda de autonomia, quedas, hospitalização, morte, entre vários outros. Ainda assim, é importante referir que o músculo não pode ser visto apenas como um órgão efetor, que permite a realização de atividades, mas também como um órgão endócrino com papel muito importante na prevenção das doenças cardiometabólicas e oncológicas.
Limiar da dependência
A perda de função neuromuscular é inevitável. Sabemos, até através do que vemos no desporto de alta competição, que não é expectável que se possa manter a performance elevada apesar do correr do tempo. O declínio não é algo que possamos impedir, nem sequer algo que devamos temer, mas sim controlar e retardar. Há essencialmente 3 aspetos aos quais devemos prestar atenção:
- Quão alto é o ponto de partida? Alguém cuja aptidão física esteja nos percentis mais altos, terá naturalmente, uma maior “reserva” para perder ao longo da vida sem que isso tenha impacto real nas suas atividades de vida diárias.
- Quando começam de facto as perdas? Alguém que consiga pôr em prática todas as estratégias de estilos de vida que possam atrasar ao máximo a diminuição da capacidade neuromuscular, mais tempo conseguirá manter a sua performance diária.
- Quão abruto é o declínio? Evitando grandes alterações nos estilos de via, bem como tendo a sorte de passar ao lado de períodos de inatividade forçada, poderemos controlar as perdas progressivas e fazer com que estas sejam o mais suaves possível.
O objetivo último, principalmente ao atingir a 3ª idade, passa por garantir que mantemos o máximo da nossa funcionalidade para que não seja ultrapassado o limiar da dependência, ou que o seja apenas nos últimos tempos de vida. Esse é o limiar a partir do qual a pessoa fica dependente e sem autonomia para realizar as suas tarefas (Figura 1).
Figura 1 – Retirado de Cruz-Jentoft, 2019
Intervenção através do Exercício
Não existe, à data, estratégia mais eficaz e isenta de efeitos secundários do que o exercício físico no combate à diminuição da capacidade funcional com o envelhecimento. É através dele que poderemos combater os 3 focos abordados no ponto anterior.
A Organização Mundial de Saúde recomenda que se atinja, na faixa etária após os 65 anos, o mínimo de 150 minutos de atividade aeróbia moderada (metade no caso de atividade vigorosa), 2 sessões semanais de fortalecimento muscular direcionada aos principais grupos musculares, e ainda 3 sessões de atividade “multicomponente” com ênfase no equilíbrio funcional e força muscular com o objetivo de melhorar a capacidade funcional e diminuir o risco de quedas. Níveis de atividade física superiores ao recomendado trarão benefícios adicionais.
Conhecendo os níveis elevadíssimos de sedentarismo, é importante criar estratégias e priorizar quais as metas a atingir progressivamente, ao invés de exigir o tudo ou nada.
O Treino de Força
Muitas são as instituições internacionais que têm dado relevo e foco prioritário ao treino de força com estratégia primária. As perdas de tecido muscular com o envelhecimento parecem ser marcadamente seletivas. Apesar de se assistir a uma diminuição generalizada da massa muscular, são as Fibras do Tipo II as mais atingidas. As fibras do tipo II são aquelas que permitem ao músculo a ter uma capacidade produção de força máxima mais elevada, bem como a produção de força rápida – habitualmente referida como Potência (figura 2).
Figura 2 – Retirado de Freitas et al, 2024
O treino de força é a única estratégia capaz de abrandar, e até reverter, este cenário. Deve ser visto como um coadjuvante terapêutico a ser prescrito a par de qualquer outra intervenção comportamental, nutricional ou farmacológica. Muitos dos outros benefícios da aplicação do Treino de Força passam pelo aumento da funcionalidade física, qualidade de vida e capacidade cardiorrespiratória, diminuição do risco de quedas, hospitalização, doença e mortalidade.
Existem muitas formas viáveis de aplicação do treino de força, dependendo das preferências e recursos:
- Treino em máquinas para treino de força
- Treino com pesos livres e/ou peso corporal (calistenia)
- Treino com bandas elásticas
Qualquer uma destas formas poderá trazer vantagens semelhantes, dependendo do controlo das variáveis ao longo do treino. É importante que a intensidade de esforço seja adequada para que se atinjam os objetivos propostos. Ao contrário da intensidade, que apenas se refere à percentagem da força máxima que é usada nos exercícios, a intensidade de esforço remete para o quão perto da capacidade limite estamos ao longo de cada série de um exercício (i.e. falha muscular).
Importante, ainda, considerar que a escolha dos movimentos a realizar deve ter em conta o princípio da especificidade. Tal como aconselhado pela OMS, os grupos musculares a serem treinados devem ser os principais, dito isto, aqueles que permitem os movimentos mais frequentes nas atividades de vida diária – sentar e levantar, empurrar, puxar, elevar, etc. Existe uma imensidão de protocolos utilizáveis, como o Go4Training, o Vivifrail ou o Cforte@80, variáveis maioritariamente no seu nível de necessidade temporal. Qualquer um poderá ser aplicado, devendo a escolha recair sobre qual se adequar mais às necessidades dos praticantes.
E a Potência?
Existe, ao dia de hoje, vasta evidência sobre a importância da potência enquanto qualidade física, bem como sobre o treino de potência como estratégia vital na manutenção da funcionalidade física. Muitas das tarefas do quotidiano, provavelmente, requerem mais a utilização de força rápida do que da força máxima ou resistente. O levantar de uma cadeira ou o reagir a um desequilíbrio na posição bípede, estarão menos dependentes da força máxima da pessoa do que da capacidade de aplicar a sua força de forma rápida (potência). Há, inclusivamente, alguns dados que apontam para o facto de a perda de potência poder ser mais determinante do que a força na perda de funcionalidade física, autonomia e independência.
Durante muito tempo, o receio de pedir a pessoas idosas exercícios realizados com máxima velocidade concêntrica ou esforço elevado, levou a que não se ponderasse a utilização deste tipo treino. Hoje, sabemos que a simples intenção de realizar um exercício o mais rápido possível na sua fase concêntrica (fase do exercício em que a força do praticante vence a resistência) produz adaptações positivas no que diz respeito ao ganho de potência e força. Felizmente, são muitas as instituições e consensos (i.e. ICFSR – Tabela 1) que já recomendam o treino de potência como parte integrante e fulcral na intervenção à pessoa idosa. Falta apenas que o terreno acompanhe a evidência científica.
| Treino de Força |
Frequência (dias por semana | 2 – 3 |
Volume | 1 – 3 séries de 8 – 12 repetições, 8 – 10 principais grupos musculares |
Intensidade | Iniciar a 30-40% da 1RM, progredindo para cargas mais pesada de 70-80% de 1RM (15 – 15 PSE) 1-3min de intervalo entre series Treino de Potência a 40-60% de 1RM |
Adaptações Fisiológicas Especificas | · Força · Potência · Hipertrofia · Capacidade aeróbia máxima |
Exemplos de Exercícios | · Exercícios multi e monoartivulares · Supino e Agachamento · Extenção e Flexão de joelho · Variação de pegas e posições corporais · A partir do momento em que o peso corporal já não for desafiante, acrescentar resistência externa através de máquinas ou pesos livres |
Tabela 1 – Adaptado de Izquierdo, 2021
Conclusão
A ciência da prescrição do exercício tem percorrido um caminho longo, desde o foco na estética e função, até ao atual Exercise is Medicine ®. A ausência de recomendações diretas, universais, para a prática de exercício com foco no aumento da força, potência e massa muscular, deve cada vez mais ser vista como negligência. O caminho é inevitavelmente esse, faltando apenas ultimar os detalhes que possam dar às pessoas as oportunidades certas consoante as suas preferências e capacidades. Seja através da Musculação, Pilates, ou outro, o objetivo é comum e claro.
Fisiologista do Exercício 🏋️ Personal Trainer
Formador / Palestrante
Bibliografia/Webgrafia
- Keller K, Engelhardt M. Strength and muscle mass loss with aging process. Age and strength loss. Muscles Ligaments Tendons J. 2014 Feb 24;3(4):346-50. PMID: 24596700; PMCID: PMC3940510.
- Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, Boirie Y, Bruyère O, Cederholm T, Cooper C, Landi F, Rolland Y, Sayer AA, Schneider SM, Sieber CC, Topinkova E, Vandewoude M, Visser M, Zamboni M; Writing Group for the European Working Group on Sarcopenia in Older People 2 (EWGSOP2), and the Extended Group for EWGSOP2. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing. 2019 Jan 1;48(1):16-31. doi: 10.1093/ageing/afy169. Erratum in: Age Ageing. 2019 Jul 1;48(4):601. doi: 10.1093/ageing/afz046. PMID: 30312372; PMCID: PMC6322506.
- Freitas SR, Cruz-Montecinos C, Ratel S, Pinto RS. Powerpenia Should be Considered a Biomarker of Healthy Aging. Sports Med Open. 2024 Mar 25;10(1):27. doi: 10.1186/s40798-024-00689-6. PMID: 38523229; PMCID: PMC10961295.
- Abreu F, Zymbal V, Baptista F. Musculoskeletal Fitness for Identifying Low Physical Function in Older Women. Int J Environ Res Public Health. 2023 Apr 12;20(8):5485. doi: 10.3390/ijerph20085485. PMID: 37107766; PMCID: PMC10138668.
- Izquierdo M, Cadore EL. Power to prolong independence and healthy ageing in older adults. Br J Sports Med. 2024 May 2;58(10):524-526. doi: 10.1136/bjsports-2023-107683. PMID: 38176853.
- Izquierdo M, Merchant RA, Morley JE, Anker SD, Aprahamian I, Arai H, Aubertin-Leheudre M, Bernabei R, Cadore EL, Cesari M, Chen LK, de Souto Barreto P, Duque G, Ferrucci L, Fielding RA, García-Hermoso A, Gutiérrez-Robledo LM, Harridge SDR, Kirk B, Kritchevsky S, Landi F, Lazarus N, Martin FC, Marzetti E, Pahor M, Ramírez-Vélez R, Rodriguez-Mañas L, Rolland Y, Ruiz JG, Theou O, Villareal DT, Waters DL, Won Won C, Woo J, Vellas B, Fiatarone Singh M. International Exercise Recommendations in Older Adults (ICFSR): Expert Consensus Guidelines. J Nutr Health Aging. 2021;25(7):824-853. doi: 10.1007/s12603-021-1665-8. PMID: 34409961.