As lesões são incidentes que ocorrem com grande frequência a nível desportivo. Os atletas, independentemente da modalidade que pratiquem, estão sempre sujeitos a lesões e a primeira abordagem, por parte da equipa médica e terapêutica, será fundamental para a sua recuperação.
Existem vários protocolos de intervenção imediata que, ao longo dos anos, foram ficando desatualizados e novos protocolos foram surgindo.
Hoje, trago a mais recente atualização destes protocolos com o intuito de promover a informação melhorando os cuidados dos atletas.
O primeiro protocolo instituído, surgiu em 1978, pelo Dr. Gabe Mirkin, designado por RICE e consistia apenas na utilização de duas ferramentas: repouso (R) e gelo (ICE). Este protocolo baseava-se na ideia de que o descanso iria reduzir a hemorragia dos pequenos vasos e, portanto, diminuir o edema, minimizar os danos nos tecidos e auxiliar uma recuperação mais rápida. Contudo, estudos ao longo dos anos foram demonstrando que o repouso completo, por mais de 48h, pode causar mais danos na lesão uma vez que aumenta a rigidez e a fraqueza a nível dos tecidos moles. Além disso, este repouso prolongado provoca adaptações e compensações nas articulações e tecidos vizinhos alterando a biomecânica levando a novas lesões como consequência da primeira.
Em 2007, após estes dados acerca do protocolo acima referido, surgiu uma nova abordagem, PRICE, em que se acrescentou uma nova ferramenta, a proteção (P). Esta nova abordagem focava-se em fazer descarga da área afetada (por exemplo, através do uso de canadianas) de forma a evitar movimentos na estrutura lesada. Segundo este protocolo, o paciente teria de andar de canadianas sem o pé tocar no chão, caso a lesão fosse no membro inferior, ou com o braço ao peito, se a lesão fosse no membro inferior.
Em 2012, surgiram novos dados científicos e com eles novo protocolo: POLICE. Neste novo protocolo mantemos a proteção (P) e o gelo (ICE) mas trocamos o repouso
(R) pela introdução de carga ótima (OL). Esta carga ótima tem como princípio acelerar a recuperação e promover a reparação dos tecidos. É uma abordagem proativa em que se substitui o descanso por um programa de reabilitação equilibrado com a premissa de que a atividade precoce acelera a cicatrização dos tecidos promovendo uma recuperação mais rápida.
Contudo, todos estes protocolos apresentam algo em comum, apenas se focam na atuação da lesão em fase imediata esquecendo-se das fases seguintes de cicatrização e regeneração dos tecidos.
Em 2014, o Dr. Gabe Mirkin, criador do protocolo RICE, afirmou que “os treinadores têm usado a diretriz RICE há décadas, mas parece que tanto o gelo como o repouso completo podem atrasar a recuperação em vez de ajudar. O arrefecimento dos tecidos moles causa vasoconstrição logo as células não conseguem alcançar o tecido lesionado retardando a cicatrização em vez de a acelerar”.
Posto isto, surge em 2019, por Blaise Dubois e Jean-François Esculier, um novo protocolo designado PEACE & LOVE (Paz & Amor). Este protocolo diferencia-se dos anteriores pela otimização da recuperação dos tecidos moles desde o imediato até á fase final de recuperação. Para além desta diferença deste protocolo para os anteriores, há ainda dois pontos que saltam á vista nesta nova abordagem que são a importância da educação do paciente e o foco nos fatores psicossociais que também interferem com a recuperação do atleta.
Assim, passo a descrever passo a passo, as ferramentas deste novo protocolo.
PEACE
Aplicar no imediato, 24 a 72h após a lesão. O foco é “não fazer mal e deixar a paz guiar a abordagem
P -> Proteção

A proteção mantem-se, como no protocolo anterior, durante os 3 primeiros dias.
É importante retirar carga ou limitar a quantidade de movimentos de modo a minimizar a hemorragia e prevenir a destruição das fibras lesadas. Esta proteção, que pode ser dada através de canadianas, não implica retirar o pé totalmente do chão mas sim, retirar o peso do corpo de cima dele.
É importante que o movimento de todo o membro inferior seja realizado da forma mais normal possível de modo a evitar compensações nas articulações vizinhas.
A dor é um fator importante que irá limitar a proteção
E -> Elevação

Elevar o membro afetado acima do nível do coração. Esta elevação irá promover uma melhor drenagem dos fluidos corporais e por consequência auxiliar na eliminação do edema. Apesar da evidência científica acerca desta ferramenta não ser muito forte, na verdade como não apresenta riscos e pode levar a benefícios, foi incluída no protocolo.
A-> Evitar Anti-inflamatórios
Os anti-inflamatórios, em conjunto com o gelo, têm sido considerados como componentes vitais no tratamento de lesões musculoesqueléticas. Embora os anti-inflamatórios sejam benéficos no tratamento da dor, estudos recentes comprovam que a sua toma tem efeitos prejudiciais na reparação dos tecidos.
A inflamação aguda surge quando o indivíduo sofre uma lesão ou algum tipo de dano que afete a integridade dos tecidos como, por exemplo, uma rotura muscular ou uma entorse. Esta inflamação é um mecanismo fisiológico natural logo é necessária pois é o mecanismo que o corpo tem para poder reparar os tecidos danificados.
O processo inflamatório é composto por três fases. A primeira fase inflamatória consiste na identificação das células do tecido danificado e a sua eliminação por células especializadas. A segunda fase, designada de fase proliferativa, consiste na produção de células de tecido conjuntivo para aumentar a síntese de colagénio e assim reparar a lesão. A terceira, e última, fase, designada de remodelação, consiste na diminuição da lesão por aumento dos miofibroblastos e especialização das fibras de colagénio.
Quando se toma anti-inflamatórios o processo inflamatório é interrompido, as três fases sofrem alterações. Os anti-inflamatórios têm ação na dor a curto prazo mas vão prejudicar a cicatrização do tecido.
Em relação ao gelo, não há evidencias de qualidade sobre a sua eficácia no tratamento de lesões dos tecidos moles. A sua aplicação pode interromper a inflamação, travar a angiogénese (formação de novos vasos sanguíneos) e a revascularização, atrasar a infiltração de neutrófilos e macrófagos aumentando as miofibrilas imaturas. Estas alterações podem levar á reparação incorreta dos tecidos e assim afetar a correta cicatrização.
Contudo, o edema excessivo após uma cirurgia ou uma lesão extensa pode ser desfavorável e nestas situações o gelo pode ser adequado. Quando usado, recomenda- se o seu uso por um curto período apenas pelo seu efeito analgésico-
C-> Compressão
A compressão é uma pressão mecânica externa que se pode aplicar através de ligaduras funcionais ou bandas neuromusculares com o intuito de limitar o edema intra-articular e a hemorragia tecidual. Apesar da compressão é importante que esta permita amplitudes de movimento completas.
E -> EDUCAR
A educação do paciente, que surgiu pela primeira vez neste protocolo, alerta para os benefícios que uma abordagem ativa tem na recuperação. Modalidades passivas como a eletroterapia, acupuntura, terapia manual e massagem têm efeitos insignificantes quando comparados com a abordagem ativa com parte integrante do atleta. Até agora, o atleta era dependente da terapia e das ferramentas do profissional de saúde para a sua recuperação. Este protocolo pretende educar o paciente e dar-lhe responsabilidade para a gestão da sua condição de saúde. Esta responsabilidade permite estabelecer expectativas mais realistas, promover uma recuperação contínua quando o profissional não está com o atleta e evitar a dependência no tratamento passivo.
Após estas primeiras 24h-72h, passamos à segunda parte do protocolo
LOVE
“depois dos primeiros dias, os tecidos moles precisam de amor”
L -> CARGA

A abordagem ativa com movimento e exercício beneficia a maioria dos pacientes com lesões músculo-esqueléticas. O stress mecânico deve ser adicionado, de forma precoce, e as atividades retomadas com normalidade assim que os sintomas o permitirem. A carga ideal é a que a lesão permite sem exacerbar a dor. Esta carga vai promover a reparação dos tecidos, a reorganização das fibras e o aumento da tensão e capacidade muscular, tendinosa e ligamentar através da mecanotransdução.
O -> OTIMISMO
As expectativas otimistas dos pacientes estão associadas a melhores resultados e bons prognósticos. Fatores psicológicos como a catastrofização, depressão e medo podem representar barreiras à recuperação. As crenças e as emoções podem limitar as várias fases da recuperação.
V -> VASCULARIZAÇÃO
A atividade cardiovascular representa a pedra angular da gestão da dor músculo-esquelética. O exercício físico aeróbico, sem dor, deve ser iniciado alguns dias após a lesão para aumentar a motivação e o fluxo sanguíneo para as estruturas lesionadas. A mobilização precoce e o exercício físico aeróbico melhoram a condição física apoiando o retorno á atividade física e reduzindo a necessidade de medicação para a dor
E -> EXERCÍCIO
O exercício reduz a recidiva de lesões, ajuda a restaurar a mobilidade, força e propriocepção. A dor deve ser usada como guia para progressão de exercícios.
Por últimos, e já não fazendo parte do protocolo, mas podendo sem encarado como um complemento, é importante, nas primeiras 24-72h, evitar danos (HARM) para aumentar as hipóteses de uma recuperação mais rápida e completa.
H - HEAT (CALOR)
Evitar fontes de calor como banhos quentes, banhos de imersão, compressas quentes, spas e saunas pois tais podem aumentar o fluxo sanguíneo e, consequentemente, aumentar o edema.
A – ÁLCOOL
O álcool é um vasodilatador e, portanto, vai aumentar o edema e a hemorragia dos tecidos moles atrasando o processo de cicatrização.
R – RUNNING (CORRIDA)
Qualquer exercício físico praticado demasiado cedo é prejudicial para a cicatrização dos tecidos. O fluxo sanguíneo aumenta para a região gerando maior edema e o tempo de cicatrização será mais longo.
M – MASSAGEM
A massagem realizada dentro de 48-72h pode agravar o tecido lesado e aumentar o edema na área. Já a massagem ao redor da área e em locais á distância pode reduzir o edema e a hemorragia de pequenos vasos.
Em suma, é de extrema importância que o profissional de saúde saiba intervir e aconselhar o atleta perante uma lesão aguda de modo a promover a cicatrização mais correta e o melhor retorno á atividade desportiva.

Licenciada em Fisioterapia pela Escola Superior de Tecnologias da Saúde do Porto (ESTSP) C.O em Osteopatia pela Escuela de Osteopatia de Madrid Formadora no curso de Massagem Terapêutica Desportiva
Bibliografia
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